A bela garota bateu palmas e como ninguém vinha atendê-la resolveu entrar no pequeno estabelecimento; ouviu vozes no fundo da casa e lá chegando avistou o senhor Juan Morlec mostrando uma nova arma de pólvora para três garotos e uma moça, dizendo-lhes:
– Meninos, vocês precisam aprender a se defender, pois nunca sabemosquando irá acontecer o pior.
O ferreiro olhava para seus filhos com ternura e, mesmo com a expressão marcada pela idade, o espanhol tinha estampada em seu rosto uma beleza marcante.
– Buenas tardes, Señor Morlec. Desculpe interrompê-los, mas gostaria de pegar a minha espada - disse Anne.
O ferreiro olhou para a moça e pensou que aqueles longos cabelos escuros, cheios de ondas como o mar da noite profunda, os olhos castanhos fugazes e corajosos e tal corpo moldado por anos de treinamento com espada a tornava ao mesmo tempo bela e forte.
– Srta. Forster, que bom vê-la! Sua espada está pronta, venha comigo – o senhor guardou a arma em uma caixa e a deixou em cima de uma mesa.
Morlec e Anne foram a uma sala em frente, enquanto um dos garotos pegou a caixa e começou a manusear a arma.
– Mano, cuidado, isso pode ser muito perigoso - disse a menina que aparentava ter uns quinze anos, como Anne.
- Calma, Clara. Eu nem sei mexer direito nisso – ao falar isso o garoto fitou a arma e mexendo-a em sua mão, disparou acidentalmente o gatilho, quase atingindo sua irmã.
Morlec estava de costas para as crianças, porém Anne acompanhou toda a cena e rapidamente correu até o local e abaixou Clara, projetando o seu corpo sobre o dela. A bala foi parar em uma parede imediatamente atrás das moças.
– Você salvou a minha vida! Saiba que eu serei eternamente grata pelo seu gesto, e, no momento em que você precisar, irei retribuir – disse Clara Morlec abraçando sua mais nova amiga.
**********
Após duas primaveras, Anne e Clara já eram inseparáveis. As duas se completavam e tinham os mesmos ideais revolucionários e abolicionistas. Naquele ano, sua principal conversa era sobre a eleição para presidência, pois mesmo não podendo votar, elas gostariam que Abraham Lincoln, do Partido Republicano, vencesse as eleições.
– Sabes, Clara, gosto de conversar contigo sobre tudo, mas nem se fossemos irmãs teríamos tanto em comum – Anne olhava para a amiga com a sinceridade e pureza próprias da sua pessoa, e segurava o livro que a moça lhe havia dado.
– Annita, sabes o quanto gosto desse livro de Harriet Stowe, "A Cabana do Pai Tomás", é o que me inspirou a ser abolicionista.
– Claro que sei, amiga, foi ela que deu luz as minhas idéias e me fez sentir pena desses pobres negros, que são gente como nós! É o que me faz querer lutar pela vida deles, eu gostaria de poder defendê-los...
– Anne, mi hija, se teu pai te escuta a falar essas coisas... Tu sabes que não será bom – interrompeu Dulce Maria, logo que ouviu a conversa. Ela era espanhola e foi aos Estados Unidos por seu amor pelo marido inglês Edward, naquele exato momento, passava pelo quarto da filha.
– Ele quer que tu te preocupes com as coisas próprias de tua idade, um bom marido, por exemplo.
- Pero, madre, se foi ele mesmo que sempre me ensinou a manejar a espada... Não consigo compreender essas mudanças!
– Tu sabes que ele está assim desde que tu começaste a ter aulas com a Clara de manejo de armas de pólvora em troca de tuas aulas com a espada.
– Senhora Forster, Anne e eu não estamos fazendo nada errado!
– É claro que não... Mas não é algo que meninas normalmente fazem, e, é por isso que o pai de Anne está tão relutante. Dando minha opinião, Clara, vocês têm de ter esse tipo de conocimiento, mas Edward no le cree.
- Está bem, señora mi madre. O recado está dado...- a garota parecia pensativa ao responder para sua mãe.
– Anne, como iremos fazer para nos alistarmos? – perguntou Clara, um tanto ressabiada.
– Será fácil, minha amiga. Assim que o as tropas chegarem, nos juntaremos aos soldados no lugar de Ian McGonagall e Peter Slowe.
– Os garotos que morreram ano passado naquele acidente? - a amiga assentiu com a cabeça – Mas como?
– É simples: não há nenhum registro da morte deles, pois ninguém fez as suas certidões de óbito... Então, não teremos problema!
Tudo saiu como Anne planejara e, logo, ela e Clara, lutariam pelos seus ideais junto ao rio Shenandoah.
**********
Era noite quando Anne resolveu ir caminhar junto ao rio. Não era o seu momento de vigilância, porém a jovem precisava refletir sobre o que estava ocorrendo, sobre seus ideais. Mal sabia ela que, naquela noite, o sentido de sua vida se modificaria.
A garota, que vista de longe realmente se assemelhava a um homem, andava pela margem segurando seu rifle e pensando o quanto lhe valia tudo aquilo, se a vontade de mudar o mundo que guardava em seu coração não era sentida pelos homens que ela já havia matado. Nesse momento, um rapaz vinha em sua direção cambaleando e percebeu que ele estava ferido. Anne correu em sua direção e, ao se aproximar, o jovem caiu ao chão. Mirando fundo nos olhos dela disse:
– Sou...- aquele olhar fez a garota tremer por dentro – Jack Sparrow... Prazer, soldado - a voz daquele moreno rapaz encheu o coração dela de paz.
– Tu estás ferido, preciso te levar de volta... para o posto – nesse instante Jack percebeu que o soldado na verdade era uma garota.
– Você... Não pode ser... É uma garota?
– E você... É um confederado – a garota o olhou séria e o homem riu, apesar da dor do ferimento – mas se eu não ajudá-lo vai morrer aqui mesmo.
– É verdade... Então será o nosso segredo? – ele já sentia uma profunda admiração pela moça, pois se disfarçar de homem para ir a uma guerra não era coisa que se via todos os dias.
– Sim, senhor Sparrow. O senhor pode me chamar de Slowe, pois nenhumsoldado de minha tropa percebeu que sou na verdade uma mulher.
– E qual... Ai! - o moreno colocou sua mão no ferimento.
- Chega de conversa, deixa-me tirar essa camisa para que não lhe reconheçam como sulista – a garota rapidamente tirou a camisa do rapaz e rasgou-a, colocando um dos pedaços no ferimento para estancá-lo. – E agora tente se levantar para irmos ao acampamento.
A manhã está muito fria. As pessoas começam a sair de casa para o trabalho, a estação está mais cheia do que o normal. No meio dessa multidão, Sophie finalmente consegue alcançar seu trem. Endireitou-se na poltrona e acomodou-se. Ainda restava um dia inteiro de viagem pela frente. Pela janela do trem, olhava a ferrovia, um barraco, um cavalo. Todas essas cenas faziam a donzela lembrar-se de uma das maiores emoções de sua vida.
(Casa dos Antoine, New York)
- Sophie, seu pai está te chamando lá na sala. – entra calmamente Madie, no quarto da filha.
- Mãe, é o que estou pensando? Meu pai permitiu?
- Não sei, menina. Vá lá.
- Filha, esse rapaz, William, parece ser uma boa pessoa. Conversei com a família dele e acertamos o casamento.
- Papai! Estou tão feliz. Muito obrigada! – Sophie ajoelha e, cheia de felicidade, beija as mãos de seu pai, Jacob.
O casamento com William Rush foi maravilhoso, o melhor momento da vida da jovem. Mas, agora, neste trem, lamenta-se por não estar junto a ele. “Que guerra maldita!” – pensava. Por causa dela, William juntou-se às tropas dos generais Grant e Sherman. Sophie não entende como os homens não conseguem resolver suas divergências através de uma maneira em que não houvessem mortos e feridos envolvidos. Assim, lembrou-se da ultima vez que viu Will...
- Will, rezarei todas as noites por ti, meu amor. Por favor, prometa que voltará para casa!
- Lutarei bravamente pela minha pátria! Defenderei com unhas e dentes os interesses dos federalistas, mas, principalmente, lembrarei de ti em todos momentos. E nenhum homem poderia ter sido mais feliz como eu fui ao teu lado. Eu te amo, Sophie.
Assim, beijaram-se e despediram-se.
O trem já parara e era noite. A moça desceu na estação Solyter e seguiu pela rua. O Hospital Patent Office é agora seu novo lar.
Abby McDowell passara rapidamente em um dos escritórios do Hospital para pegar algumas fichas de pacientes. Estava apressada, precisava atender um soldado trazido por Slowe. Ao sair da sala, é interpelada por uma moça:
- Doutora, com licença, poderia me... – ela pausa e indaga - Abby?!
- Sophie?! Meu Deus, é você mesmo? – diz Abby surpresa. - Como cresceste! Tinhas quantos anos quando nos conhecemos? Doze, certo??
- Exatamente, lhe devo muito por ter sido tão gentil. Foi o que me inspirou a estar aqui.
- O que te traz a este Hospital?
- Vim ajudar como enfermeira voluntária.
- Ah, então achei a pessoa certa! Estava esperando que viesse uma enfermeira hoje mesmo! Vou lhe mostrar os dormitórios, por sorte será minha colega de quarto. Depois conversaremos melhor. Venha não vamos perder tempo, temos um caso de amputação!
As duas saíram e foram em direção aos dormitórios. Logo, Sophie atenderia seu primeiro paciente durante a guerra.
**********
- Vamos, Sophie. Enquanto corremos até lá, vou lhe dizer algumas informações. É um soldado, foi gravemente ferido na perna por um tipo de munição para rifle chamado de Minie Ball. Um desses é capaz de fazer um estrago enorme visto que o osso, nesse caso, foi totalmente esmagado na área atingida. Ainda bem que foi trazido a tempo, se trazido dentro de 24 horas, nesses casos, a chance dele sobreviver é de 50%. Vejamos, o nome dele é... – ambas já estavam a dois passos da porta - ... William Rush.
- O quê?! – lágrimas começam a escorrer pela face de Sophie que, involuntariamente, empurra e corre até a maca no meio da sala, onde se encontrava seu amado.
- Will... estou aqui... sinto muito...
- Está tudo bem, Sophie, tinha que ser assim...
- Sophie, não quero ser inconveniente, mas precisamos fazer essa operação logo. Ele já está perdendo muito sangue...
- Está bem. – assente a jovem.
- Certo. Preciso que dê clorofórmio a ele.
Sophie, tristemente, pega um vidrinho com a substância anestésica e embebe um pedaço de pano em seu conteúdo. Afaga o rosto de William e lhe administra o clorofórmio próximo a região do nariz. Ele aspira e vai adormecendo aos poucos e a amputação é iniciada.
- Amiga, se não quiseres ficar aqui, podes sair.
- Não, está tudo bem. Quero ficar. – e fica ao lado do soldado, segurando-lhe a mão.
- Então, continuemos. Torniquete!
Um torniquete é alcançado a Abby. Ela estanca o sangue, depois pega o bisturi e corta os tecidos. Chegando no osso, ela usa uma serra. Serrado o úmero, as artérias e veias também recebiam o mesmo procedimento, juntas. O membro amputado era jogado a uma pilha, que seria jogada fora no final do dia. Para fechar o ferimento, McDowell põe suturas de seda na perna do soldado. Sophie acompanhara seu marido até uma segunda sala, para repouso. Assim, seria o dia todo para a doutora McDowell. Amputações atrás de amputações.
Após alguns dias, Rush já estava de pé, com muletas. Mas já poderia ter uma vida normal, novamente. Fora da guerra. Sua operação foi feita na hora certa, mais um pouco, poderia ser contaminado com sujeira e pele para dentro ferimento e ter perecido.
Capítulo V - Cura e Recomeço
- Pode deixar, soldado Slowe. Deite-o aí junto com os outros e pode se retirar, afinal, o dia está quase amanhecendo e quem está são deve lutar.
- Obrigado, doutora. Adeus, soldado – disse Anne para Jack
- Calma... Venha cá... - Anne se aproximou do rapaz. - ...venha me visitar se possível...
- Está bem, senhor Sparrow - Anne o olhou com carinho e disse, sussurrando:
– Cuidado com o que você fala, não deixe ninguém desconfiar que não é de nossa tropa, ok?
- Ok... - a moça já ia se retirando.
– Espere, Slowe... Posso saber como é seu verdadeiro nome? - Jack perguntou baixinho.
- Anne e... até breve. - A garota saiu pela porta sem olhar para trás.
- Muito bem, soldado - a doutora o olhava intrigada - Nunca o vi por aqui antes...
- Bom, doutora, nunca tive problemas... Esse foi o primeiro.
- Ok, então. Vejo que não há muito que fazer neste ferimento além de esperar sua cicatrização. – disse a cirurgiã1 examinando o paciente - Fique aqui e pense um pouco na vida, logo a enfermeira Sophie virá lhe ajudar.
Jack começou a refletir sobre Anne e o quanto era ela diferente de sua noiva Jully Marry, uma mulher ambiciosa e egocêntrica com a qual ele jamais se casaria.
**********
Certo dia, eles estavam na proa do navio a observar o mar, quando um escravo começou a ser castigado por estar na proa em horário inadequado; o jovem Jack ficou estupefato com a atitude com que trataram aquele escravo, e quando se lançou em direção a eles Jully o repreendeu.
- O que estas fazendo?
- Não vistes o que aquele homem fez a aquele pobre escravo? Isto não pode ficar assim!
- Isto pode e isto vai ficar assim. O que pretendes fazer? Um escândalo? Ou acaso vai bater no homem porque ele repreendeu aquele escravo imundo? Ponha-se no seu lugar Sr. Jack, esta é uma atitude completamente insana!
Jack ficou apavorado ao ouvir aquilo que Jully dissera; não conseguia aceitar aquelas palavras, elas não podiam ter saído daquela boca inocente! Será que ela foi tomada por um espírito maligno? Ou ela era o próprio? Ele não ousou dizer uma só palavra, devido tamanha surpresa; quando ele se virou para onde a cena havia ocorrido, aqueles homens já não se encontravam mais ali, mas aquela cena nunca mais sairia de sua cabeça.
No outro dia, encontrou-se com seu pai após o almoço e contou o ocorrido.
- Mas meu filho... o que querias que ela fizesse? Que deixa-se você ir arrumar uma confusão, fazer um escândalo? E você... Onde estava com a cabeça?
- Mas, meu pai, foi uma cena inaceitável! O senhor não pode imaginar tamanha frieza desta mulher!
- Ela agiu corretamente, você é que está levando tudo muito a sério.
Naquele momento, Jack ficou tomado por tamanha cólera que não pronunciou nenhuma palavra a Marry até chegarem a sua casa.
Refletindo sobre tudo isso o soldado percebeu que havia ido a guerra por vontade de William Turner Sparrow, seu velho pai, e estava noivo de Jully por desejo dele, por fim percebeu que essa situação não poderia se manter assim.
- Em primeiro lugar, me chame de soldado Slowe, senhor McGonagall! E em segundo quem o abrigou fui eu e, não, nós! - a morena olhava docemente para amiga - Não se preocupe, ninguém saberá!
- Ann... digo, Slowe, eu acho que estás te enamorando por esse Sparrow - Clara se mostrava cada vez mais cúmplice da amiga.
- Não diga tonterias, Clar... Soldado! - Anne ficou profundamente abalada com aquelas palavras - Eu apenas ajudei-o e nada mais! Apenas pelos meus valores...
- Sequer tu crês naquilo que dizes! – Clara sorria para a amiga – Vá logo vê-lo...
- Saiba que vou sim ,mas apenas por solidariedade , pois não nutro este tipo de sentimento por ele.
- Sim, sei, soldado Slowe.
Anne foi a caminho do posto, o qual ficava mais ao sul do acampamento e em todo seu percurso foi pensando no que sua amiga lhe havia dito. Será que ela poderia estar apaixonada por aquele homem? Não podia ser possível, eles eram de mundos diferentes; ela uma nortista, abolicionista e ele, um sulista muito provavelmente escravista. Chegando ao Hospital Patent Office, a moça encontrou a enfermeira Sophie e perguntou pelo soldado.
- Eu lhe acompanho, Slowe. Ele foi colocado numa maca longe dos demais, para não pegar uma infecção, sabe?
- Claro, enfermeira. Ela tem dizimado muitos soldados.
Sophie a levou para um local isolado do posto, onde Anne logo avistou Jack.
- Eu vou deixar os dois amigos a sós, creio que tem muito para conversar. - a enfermeira os olhava de soslaio – Com licença, Slowe, soldado Smith.
Assim que Sophie deixou o recinto Jack sentou-se na cama e sorriu para Anne.
- Olá,Anne! Como passou a manhã?
- Preocupada com o que seu exército tem reservado para os negros. Talvez, senhor Sparrow. – ela o mirava intrigada - Eu ainda não tive a oportunidade de agradecê-la como deveria – o sulista fingiu não ouvir a farpa que a morena havia lhe lançado
– Muito obrigado por ter tido misericórdia de um homem sofredor! – ele lhe lançou um sorriso irônico.
- Já estou arrependida, se queres mesmo saber, senhor Sparrow – a valentia e o brilho nos olhos daquela garota o deixavam cada vez mais admirado.
– Afinal, o senhor não passa de alguém sem valor! Que não deve sequer ter idéia de que esses filhos de Pai Tomás são iguais ou melhores que nós!
- Engraçado, soldado, tu citaste Harriet Stowe, em uma de minhas histórias prediletas.- Jack enxergava na garota a coragem que sempre quisera para si.
- Tu sabes do que falo? Não és um escravista?- a moça realmente parecia surpresa.
- A verdade, Anne – ele fez um gesto com a mão para que ela se aproximasse – é que sou um abolicionista covarde, que durante sua vida inteira obedeceu um pai que se acha superior a todos! – Jack estava com o olhar marejado por revelar tão profundo sentimento aquela garota. Anne viu sinceridade nas palavras e nos olhos do soldado e finalmente assumiu para si que poderia estar apaixonada por ele.
- Tu queres dizer que veio lutar por ideais nos quais não acredita? – Anne sentou-se aos pés da cama - Mas como pôde? Eu vim para essa guerra por amor aos meus ideais, para que eu possa mudar algo nesse país! - o soldado a olhava com ternura e entendimento – Deixei mi madre y mi padre preocupados comigo no Novo México , sem saberem se me verão viva outra vez e se eu poderei dar-lhes os netos que tanto querem! - a garota abaixou sua cabeça, pois mesmo ela não fazia idéia de seu futuro.
- Tu és uma moça rara , não sabes o quanto te admiro! - Jack segurou a mão dela e a moça deixou-se contemplar naquele olhar – Gostaria de ver-te sem esse chapéu, sem essas roupas de homem e esse falso bigode, pois se já vejo em teus olhos tamanha pureza de noite sem luar, imagino o quão bela devas ser em trajes de dama!
- Obrigada, senhor Sparrow- Anne respondeu sem graça. - Senhor Sparrow, não! - o homem continuava a segurar a mão da garota – Por favor, me chame de Jack!
- Bem, Jack, eu fico feliz em saber que tu és um abolicionista e espero que cries coragem de dizer isso ao seu pai! - Anne soltou sua mão da dele e levantou-se da cama - Tenho que ir agora , e realmente não sei se voltaremos a nos ver. Iremos a campo agora.
- Nos veremos sim, Anne – ele a olhou com calor e paixão - Tu não perecerás nesta batalha!
- Espero que estejas certo, Jack. - a garota esperava aquilo de todo o coração, pois tinha necessidade de vê-lo outra vez.
- Eu tenho certeza , minha querida. Gostaria que viesses essa noite para cá – a garota o olhou espantada e ele sorriu – Pois, pretendo voltar ao lado dos confederados para desertar. - Está bem, se sobreviver venho ajudar-te a descer pelo rio e encontrar-te com as tropas confederadas - Anne estava parada à saída.
–Adeus, Jack.
- Até logo, Anne – sussurrou o garoto para o ar.
A batalha foi longa e cansativa , porém Anne e Clara conseguiram sobreviver sem nenhum ferimento grave e como prometido a garota retornou para ver Sparrow. Silenciosamente , Anne adentrou o hospital e foi em direção a habitação de Jack. Lá chegando , encontrou apenas trevas e se espantou quando um vulto cobriu-lhe a boca.
- Sou eu. Jack, Anne? - o corpo de Sparrow estava grudado ao seu e ela mal conseguia respirar - Pensei que não viesses mais! - disse ele tirando a mão sobre a boca da moça.
- Vamos logo ,antes que nos descubram - o garoto continuava a abraçá-la pelas costas e ela estava tendo dificuldade para permanecer em pé sem tremer. - Se tu me soltares...
- Desculpe - ele respondeu sem jeito. Os dois saíram sem fazer barulho e foram conversando em direção ao rio Shenandoah. À medida que iam se conhecendo melhor, mais carinho e amor sentiam um pelo outro; e mais certezas Jack tinha de que era aquela mulher com a qual ele deveria casar-se ; o homem contou a ela seus desejos e sonhos, ela lhe falou de sua cidade e de seu amor pelos livros e quando chegaram a margem do rio que o levaria para o lado sulista , se despediram com promessas mútuas:
- Anne, essa manhã mesmo irei desertar, terminarei tudo com Jully Marry e assim que essa guerra acabar irei a Santa Fé para lhe encontrar. – Sparrow segura a mão de sua amada.
- Eu prometo que sobreviverei e finalmente poderei ter-te em meusbraços, como uma mulher de verdade. - os dois calam – se por um segundo e se vêem nos olhos um do outro. Jack envolve a cintura de Anne e lenta e docemente aproxima sua boca da dela, enquanto a garota deixa-se envolver nos braços do homem que conquistou seu coração. Os lábios se tocam e tal sentimento nenhum dos dois havia antes provado: amor, admiração, paixão e carinho em um mágico beijo de almas.
A despedida não foi pronunciada por palavras, mas apenas com o olhar. Jack desertou naquela manhã de 1862 e logo foi para a casa, lá chegando terminou tudo com Jully, que indignada prometeu vingar-se da mulher que roubara seu amado. Sparrow revelou tudo o que sentia a seu pai e foi expulso de casa. Jack portanto resolveu se alistar no exercito nortista para ficar ao lado de sua amada Anne. Sparrow enfrentou diversas batalhas, porém nenhuma delas reencontrou sua amada Anne, ele começou a achar que ela havia morrido. Desolado, ele não tinha mais motivos para viver; até que em maio de 1864 foi a Batalha de Wilderness e após dois dias de luta viu um corpo estirado no chão que parecia familiar. Ferido, aproximou-se do corpo e percebeu o de Anne. Mal sabia Jack que sua amada não havia sido ferida em batalha, mas sim pelas mãos de Jully; aproximando-se mais ele percebeu que sua amada percebeu que ela tinha um tiro de raspão em seu ombro esquerdo e ao seu lado encontravam-se os corpos familiares, um de Clara e o outro de Jully. Jack levou Anne para o hospital mais próximo e ficou ao seu lado até ela acordar, o que demorou alguns dias. Quando ele viu sua amada abrir os olhos, sentiu uma profunda gratidão aos céus.
- Anne, tive muito medo de te perder - Jack a olhava com ternura.
- Jack...- a garota achou que estava tendo algum tipo de sono - será que eu estou no paraíso?
- Não meu amor - Sparrow abraça amada - eu estou aqui do seu lado, prometi que um dia iríamos nos reencontrar.
- Eu não acredito que tu estás aqui!- diz Anne respondendo ao abraço.
- Como tu ficastes ferida?
- Eu não sei direito, simplesmente durante a batalha apareceu uma moça que parecia ser nobre com um sotaque estranho, que com uma espada tentou ferir-me.
- Provavelmente era a Jully Marry!
- Não sei qual era o seu nome, só sei que antes de virar-me, Clara colocou-se entre mim e a espada, morrendo em meu lugar.
Ele a olhou com piedade e compaixão, agradecendo mentalmente à Clara por ter salvo seu amor. Os dois se beijam apaixonadamente; e prometem amor eterno um ao outro.
“Lembro me de quando me interessei por medicina. Meus pais acharam loucura: “Abby, sabes que uma mulher médica não pode ser tão bem reconhecida quanto um homem”. Mesmo assim, fui a Nova York em busca da minha tão sonhada graduação. Dois anos na Escola de Medicina de Syracuse, sendo um a repetição do outro. Apesar disso, valeu a pena. No início da guerra as dissecações já nem eram mais feitas, sendo um ano suficiente para a graduação. Já vi muitos aqui no campo, que nem se quer viram um órgão interno, sendo a sua primeira experiência um trauma.”
Abby estava grávida de Lucas, seu marido. Já sentia algumas contrações, mas se recusava a repousar. Mesmo com um filho prestes a nascer na barriga, foi a campo ajudar os feridos, apesar de ter uma função similar a de enfermeira. Sua felicidade era curar. Seu marido estava em outra batalha, vencendo heroicamente os sulistas. “Se Lucas estivesse aqui, ele não me permitiria nem sequer por os pés para fora de casa” pensou. Sophie não a deixava em nenhum momento, sempre alerta para qualquer emergência.
Enquanto cuidava de um capitão caído no meio do campo, Abby grita pela sua amiga. Ela estava dando a luz. Em pleno dia, no meio de uma guerra. Onde as balas dos rifles não escolhiam seus alvos. Sophie chamou um médico para auxiliar o oficial ferido. Logo, ajudou no parto de McDowell e esta nomeou a filha Natalie Delaney McDowell. Em um momento enquanto admirava sua criança sentiu uma pontada no peito. Uma bala a atingira. Por sorte a pequena Natalie nada sofrera. Mas Abby sentia um frio constante.
- Sophie, quero que cuides desta menina por mim. Diga ao meu marido, Lucas, que o amo e estarei cuidando de vocês aonde estiverem. Estou em paz. Adeus.
- Abby, não...
Assim, morre e deixa a filha nos braços da amiga que sai correndo imediatamente em busca de transporte para o hospital mais próximo.